Cinelândia, 07 de julho de 2015

Para ver as pessoas nas ruas. 
Corpos. Os cabelos cacheados, lisos, esticados com formol, a barba de Cristo da moda, óculos de grau, o rabo de cavalo, o corte do jogador de futebol, salto alto, sapatilha de Cannes, tênis, renda, a roupa apertada ressaltando a barriga saliente.
Corpos que circulam. Os olhares entres eles. Sim! Parece que se olham. Buscando a eterna resposta da existência da felicidade. Onde o outro a encontra que não consigo alcançar?  
Bocas com sorrisos. Mesas com histórias. Seus problemas. Iguais sempre. O ser humano com um band aid de sobrevida. Ele fala da sua dor. Ela ouve olhando para o celular, entretida na rede social e na próxima curtida. Precisa mostrar ao mundo que é feliz.
Na TV sempre o futebol. A maior possibilidade de verde que o mundo ainda vê: um campo de futebol.  O gol anestesia a mente e faz o ser humano acreditar cada vez mais que pode ser feliz, apesar de tudo...
O homem com band aid comemora. A mulher curte o gol na rede social. O garçon traz mais um chope. 

Uma Saga em Recife

Acordei as seis da manhã para viajar para Recife. Realmente, acordar cedo muda tudo na vida. Sempre me sinto bem. Não sei porque insisto nessa faceta de dormir as 3 e acordar ao meio dia. 
Passei o dia inteiro pensando nisso e planejei o dia seguinte, acordando cedo, mergulho no mar, visita ao Mercado, trabalhar... Eu tinha decidido minha nova vida! As sete da noite, tomada por esta euforia, comecei a escrever um texto refletindo sobre a questão da Preguiça na minha vida. Estava listando todas as mudanças que faria no meu dia a dia, mas fui interrompida e o texto ficou inacabado. Já tinha desistido de escrever, quando a meia noite perdi o sono. Pulou na minha mente Paul Lafargue e o seu "O Direito à Preguiça", junto com a teoria do ócio do Domenico di Masi. Mudei todo o teor do texto, desta vez, enaltecendo o MEU direito à preguiça. 
Eu estava na varanda do apto do hotel para poder fumar enquanto escrevia. Ao final, ia voltar para o quarto, quando percebi que a porta da varanda não abria. Eu tinha ficado presa do lado de fora!!!
13º andar, nenhum vizinho no hotel, prédio da frente todo apagado, o outro em obras, abaixo, prédios bem baixos, meu celular dentro do quarto...
Faltou ar. Vinha uma brisa maravilhosa da praia, mas nada acalmava a minha mente. Constatei que morreria sozinha, na varanda de 2 mts quadrados do Lucsin Hotel, sem vista para o mar, pensando sobre a preguiça! Olhei no reflexo da porta e percebi que, ainda por cima, vestia uma roupa escrota.  
Tentei respirar o vento refrescante de Recife e não me desesperar. Resolvi fumar um cigarro, mas o isqueiro estava dentro do quarto. Desta vez, bateu pânico. 
Tentei forçar a porta, olhei inúmeras vezes para as varandas vizinhas, prédios, nada. Eu estava literalmente sozinha. 
Consegui me acalmar novamente e lembrei que estava com meu computador. Podia pedir socorro através do Skype ou do chat do Facebook. O único problema é que a internet do hotel não funcionava na varanda se a porta estivesse fechada. Não tinha sinal. 
Tentei mesmo assim, iniciando e reiniciando o computador até que o Skype conectou. Só tinham 3 pessoas on-line: duas que trabalhei em São Paulo há cinco anos atrás e não tinha a menor intimidade, e a Mirelle, assistente da Sarah Morris, que vive em NY. Ou seja, não tinha como pedir socorro a nenhuma destas pessoas. Ia ser mais ridículo explicar minha situação à elas do que morrer na varanda do Lucsin Hotel, vestida de forma escrota. 
Facebook finalmente conectou. Da mesma forma, todos os "amigos" on-line eram pessoas que eu não poderia falar sobre o meu problema. 
Resolvi esperar mais um pouco. Imaginei todos os transtornos que causaria meu sumiço. A equipe de filmagem chegando no aeroporto e nenhum carro para buscá-los. Era o meu fim. Desesperada, tentei forçar a porta mais uma vez, olhei inúmeras vezes para as varandas vizinhas, prédios e nada. Eu estava sozinha.
Finalmente, cinco amigos (de verdade) entraram no chat do Facebook. Escrevi compulsivamente para todos, explicando a minha situação, passando o tel do hotel, mais número do apto, pedindo socorro em caixa alta e muitos pontos de exclamação!!! Todos ligaram para o hotel. Todos me responderam dizendo que alguém estava indo me salvar, mas nada do socorro chegar. 
Lembrei que a porta do quarto estava trancada. Imaginei que a demora era por isso. Desesperada entrei no Google tentando entender se em Recife tinha chaveiro 24h até que lembrei que qualquer hotel tem chave mestra. O que o pânico não faz! 
O homem do hotel chegou. Ele não conseguiu conter o riso. Não tive como culpá-lo. "A culpa foi da porta que bateu e com o vento a chave virou." - ele disse.  
Sentei na cama deprimida. Vi que ele olhava para minha roupa escrota. Me deprimi ainda mais. Eu só pensava no pior: E se estivesse nua? E se estivesse com dor de barriga? E se estivesse sem meu computador? Ele viu meu desespero. Tentou me acalmar dizendo que eu poderia ter quebrado o vidro da porta da varanda, caso eu não estivesse com o meu computador. Olhamos para meu braço fino e sem músculos. 
O silêncio foi o melhor caminho para a solução dele. 
Entrei no Facebook e agradeci a todos os meus amigos que ligaram para o hotel solicitando meu resgate. Maira, natural de Recife, se despediu de mim me dando um valioso conselho: "Ana, não vá a varandas em Recife sem colocar uma toalha na porta." Como não pensei nisso?!? Achei que o grande problema da cidade fossem os tubarões! 
Decidi não pensar em mais nada. Coloquei a toalha na porta da varanda e fui fumar meu último cigarro tentando me acalmar e finalmente dormir. 
Passou um tempo, consegui clarear a mente quando tive uma idéia brilhante: caso eu não fosse resgatada, bastaria tirar a camiseta que eu tinha colocado por cima do vestido por causa do frio. Eu ia morrer, mas pelo menos morreria com um vestidinho preto. É do camelô da pracinha da Pedro Lessa, do Centro da cidade, mas tudo bem, preto é sempre preto. Pretinho básico!
Por que mesmo eu estava pensando na preguiça?...










 

SEM LIMITES NA REDE E QUANDO A REDE ULTRAPASSA A FRONTEIRA DO VIRTUAL PARA O REAL OU A CULPA É SEMPRE DA MAE


A fila do metro de Botafogo atrapalha o caminho dos transeuntes. O cara da fila quase não te dá um espaço para passar achando que você irá furar a fila. Ninguém te olha e pessoas vão se esbarrando. A meta é andar para frente. Sim, assim ditou o último livro de auto ajuda – “COMO ANDAR PARA FRENTE NA VIDA”.

Tenho que passar. Na linha reta da minha vida existe um obstáculo. Uma trabalhadora bem vestida, óculos, focada no seu iPhone 5. Ela tecla. Eu peço licença. Ela não tira os olhos do celular. Peço novamente licença. Ela não me ouve, não me olha. Eu não posso mudar meu caminho, pois estou guiada pelos mandamentos do livro que acabei de ler “COMO CONSEGUIR TER FOCO NA VIDA”. Preciso passar. Deve ser Toc, mas ainda não comprei o novo livro do autor para saber como resolver esse problema. Eu quero passar. Aquele espaço também é meu! Minha terapeuta disse que devo lutar pelo meu espaço na vida. Passo. Vou respirar, mas ouço um “VACA” bem alto, dito pela linda jovem bem vestida, quase bem sucedida.

Respirei. “Acho que ela pensou alto”. Estava falando na rede com alguma amiga a qual queria chamar de VACA. Mas não. A VACA era eu!

O que fazer? Quem sabe justiça com as próprias mãos? Arrancar o iPhone5 das mãos da mini perua, despentear sua escova progressiva, rasgar seu vestidinho de viscose florida. Ela não vai cair no chão. A mini perua é cool e não usa salto alto. Está de sapatilhas com bicos dourados que é a nova tendência da zona sul.

Ou de repente, eu poderia sacar o MEU iPhone5, tirar uma foto dela, marcar TODOS os meus amigos e xingá-la dos nomes e palavras mais horrorosas. Eu poderia até criar novos palavrões! ####rastegs#### Quem sabe teria alguns milhões de compartilhamentos? Se tudo desse certo, até teria uma matéria no G1. Caramba, ia virar uma VACA com 15 minutos de fama!

Só nesta semana, que começou há 3 dias a web bombou. Um jovem delinguente foi preso acorrentado nu em um poste por Justiceiros do Flamengo, uma jornalista da TV aberta se pronunciou em apoio, uma Prof. do Dep. de Letras da PUC-RIO publicou comentários preconceituosos sobre um homem no aeroporto em sua página do Facebook... Compartilhamentos intermináveis na timeline.

Mas para mim o mais sério que li na web foram os comentários dos internautas na matéria do G1 sobre o enterro do cineasta Eduardo Coutinho. A palavra VACA foi singela perante tamanha agressividade por parte dos leitores.

Claro que sei que a maioria deles nem sabia quem era o cineasta, inclusive, eles assumem isso, mas a liberdade de expressão, e neste caso não estamos falando de uma liberdade de expressão de formulação de pensamentos construtivos, mas sim, uma expressão de raiva ou sei lá o que estas pessoas guardam dentro de si...

O que mais me chama a atenção é o fato das pessoas ao poderem falar no anonimato, se soltam. E o que vem de dentro delas é pavoroso. Cruel, preconceituoso, desumano, senão de uma ignorância atroz. Falta só educação? Claro que falta educação, mas falta acima de tudo humanidade, respeito, limites...

Voltando a ser chamada de VACA ao vivo e a cores. A questão é que com a possibilidade da liberdade de expressão de qualquer um através da rede, aos poucos, TODOS estão se sentido a vontade para expressarem sentimentos humanos bastante agressivos, não só dentro dela, mas na vida real. Não sei realmente onde vamos parar. É preciso imediatamente entendermos os limites de nossos sentimentos mais profundos, frustrações, para não sairmos por aí achando normal chamar pessoas de vaca, denegrir a imagem de um homem no aeroporto ou acorrentar alguém num poste como se fosse um castigo.

Porque se você se sente no direito de fazer qualquer uma destas coisas, é porque certamente a sua mãe esqueceu de te colocar de castigo quando era criança! Mas não se preocupe, o segmento de auto ajuda tem vários livros para ajudar a humanidade a conviver melhor!

Na Ilha


Não se engane com as direções e jogue fora sua bússola.
As direções são só quatro.  
Quando acordar entenda dos fusos horários mundiais.
No seu fuso, fique confuso.
Grita, se doer. Ou grita de prazer...

Minha ilha.
Sem dia ou noite.
Há só um temporal...
Mas é possível vermos a novela....

Lembrei agora que te amo.  

Megafone

Não posso escrever sobre o caso do Prefeito Eduardo Paes ter agredido fisicamente o músico e escritor Botika, pois meu computador está quebrado, e sem seu acento mais importante – o de interrogação.

E como posso escrever sobre um caso tão agressivo, não só ao agredido, mas a mim mesma como cidadã, sem poder interrogar (interrogação).

Mas eis que existem os parênteses, que formam um espaço capaz de nos preencher quando estamos a perguntar. Espaços do vazio, sabe (interrogação).
Após o soco, um vazio. E mais um soco, um vazio. Só quem apanhou na vida sabe o sentido real da palavra vazio e percebe o quanto o vazio nos agride mais que um soco.

A cidade do Rio de Janeiro está vazia. Nossa política é vazia. O Brasil, país do momento, lotado de gente estrangeira ou estranha, exatamente por isso, está vazio.

Todos os dias levamos socos, agressões morais como cidadãos e nada conseguimos fazer. Não vou julgar aqui se Botika tinha ou não o direito de agredir verbalmente nosso Prefeito, mas dia a dia, nossos governantes nos agridem com escolas que não funcionam, hospitais que não atendem, ruas que não existem e a violência que fingem não existir pois foi maquiada.

Aumentaram o som da música para ninguém ouvir mais o som da realidade.

Botika, um músico cheio de indignação, falou ao Prefeito, da situação na qual estamos vivendo. Interrogou com muitos acentos sobre nossos vazios. Mas levou mais um soco... vazio!  

Vazio é o soco diário. Vazio é um saco! Saco vazio onde o Rio de Janeiro foi enterrado vivo.

Que bom que era um músico e escritor, que tem a arte nas veias e pode gritar mais que o som da violência diária a qual vivemos, acostumados, despercebidos...

Todos nós já somos vazios e estamos em silencio.
Beijos e band aind para Botika!

Prometeu Acorrentado


Prometeu ficar acorrentado. O mundo o faria feliz. Pagou um preço alto. Não sabia o que era a felicidade. Imaginou, influenciado pela margarina. Logo, os cientistas disseram que a margarina fazia mal a saúde, e ele estava ali, acorrentado. Não podia voltar no tempo da sua promessa. Não sabia o que esperar de um futuro onde o azeite ainda não estava na moda. Ele gostava de gordura. Era um casal gordo do final do século XIX, acomodado.

Início do século XX, ele prometeu ficar acorrentado, mas sua mulher resolveu fazer regime. Usava espartilhos que cortavam seu ar. Começaram a ter problemas na relação. Um amigo próximo, Freud, aconselhou que fizessem terapia de casal.

Ser feliz é: tomar um lindo café da manhã com a família - pães, ovos, bacon, bolo e suco de laranja. A negra, recém liberta, determinou que tinha que ter café preto e com ele, trouxe o açúcar para a mesa. Ela acreditava na energia do pó, mesmo que branca.

Prometeu estava acorrentado. Esperando pela felicidade que deveria vir de dentro de si, mas até agora só se concentrava no fogão da preta. Sentiu tesão na cozinheira, mas não podia come-la por livre e espontânea vontade. Sua mulher deveria desaparecer.

Seu desejo ganhou fortes esperanças, quando no século XXI as mulheres viraram anoréxicas e morriam de fome. Ele, acorrentado, passou a sonhar que sua mulher definhava enquanto a negra o alimentava na boca com ovos, bacon, bolos e suco de laranja. E a cada ida e vinda de suas andanças pela cozinha, sua bunda enorme invadia seu sonho de ser feliz.

Ser feliz é: não ter mulher, filhos, ser alimentado, enquanto acorrentado, pela Preta, somente sentido prazer.

A mulher morreu de fome. A negra fez um curso de culinária, virou chefe de cozinha e agora só usa azeite. Ele prometeu estar acorrentado esperando um dia encontrar a felicidade, mas o mundo, apesar do tempo, não mudou em nada. A felicidade não existe. Ela é pura diversão. E preso não se diverte…

ESBOÇO DE SAUDADE


A casa era preenchida de coisas. A vida tinha muitas sensações. Quase todas pareciam não ter sentido, pois não foram explicadas na época devida. Mas tinham.

A sala tinha inúmeras prateleiras, coloridas por livros e objetos que certamente fizeram parte daquela vida. Eu só olhava para tantas cores de vida.

Em que momento ele sentiu vontade de pintar sua vida de preto e branco? Por que não foi capaz de entender tal nuance? O mundo, tragicamente, determinou que ser bicolor não tinha graça ou alegria. E logo ele, o mais alegre de todos... Teria feito um mundo novo, sabiam? Colorido de preto e branco, fazendo novas cores a partir destas duas. Cores jamais vistas.

Tento redesenhar sua casa. Uso um lápis fino para não interferir nos seus sentimentos. Mas quanto mais fino, mais profundo, que fere dentro do peito e sangra. 

O sangue como cor. Desta vez, sem alegria. Uma cor com tristeza, como um esboço de saudade.


Purpurina_SP

Este ano consegui viajar no Carnaval.  Mesmo sendo a           trabalho, felizmente, minha missão não foi no Nordeste, e sim em São Paulo, cidade onde parece que a purpurina nunca foi inventada.

Decidi viajar na terça-feira de Carnaval com medo do aeroporto estar lotado na quarta-feira de cinzas. Marquei um vôo cedo para meus hábitos, mas tudo bem, desde que eu saísse do Rio de Janeiro e de toda confusão que envolve a cidade nesta época do ano.

Marquei um taxi no dia anterior para não correr o risco de não conseguir um pela manhã. O taxista chegou pontualmente. Consegui um motorista mudo, o que me ajudou muito naquela hora da manhã. Não gosto de falar logo que acordo. Muito menos com quem não conheço. Eu estava sonada, mas percebi que o banco estava repleto de purpurina. Fiquei preocupada. “Não posso infectar São Paulo com este vírus. Eles não sabem que isto existe!”

Chegamos rápido ao aeroporto. Eu me achava muito esperta, imaginando que o aeroporto estaria vazio, mas eis que a porta se abre e uma multidão surge a minha frente. Várias línguas e sotaques. Seres torrados pelo sol carioca. Gringos com havaianas retornando para casa com ar de quem vai gastar onda no inverno falido da Europa como se tivesse virado brasileiro. Famílias com malas enormes e coloridas. Crianças descabeladas e remelentas. Mulheres com saltos, blusas de paetês e a maldita purpurina brilhando contra mim! Eu precisava fugir.

Fiz rapidamente meu check in e sai para fumar um cigarro tentando encontrar um lugar distante onde eu não tivesse contato com tanta felicidade e alegria. Isolada consegui paz. Mas o sol estava radiante e o céu azul e lembrei que não fui a praia. Que poderia ter ido. Que poderia estar como aquelas pessoas, mas não fui.

Decidi não me deprimir diante da felicidade do senso comum. “Eu simplesmente não gosto, ok?” E com este mantra dirigi-me ao embarque.  Ultrapassei a barreira do arco-íris do verão carioca e caminhei rumo ao último portão do corredor, o R4.

De repente, um silêncio. Olhei ao longe e as mesmas pessoas estranhas falavam e gesticulavam muito. Mas ali onde eu estava tudo era diferente. Ou não! Ali onde eu estava pessoas comuns estavam a minha frente. Calça comprida. Casacos. Homens com laptops. Mulheres com celulares falando baixo. Rostos tensos. Rugas. Sim!  Olhei para a placa e eu estava no R4!

“Embarque do vôo Gol 1931  Rio de Janeiro/São Paulo -  Aeroporto de Congonhas” - dizia a voz calma e costumeira no alto falante do aeroporto. Voltei a respirar. Encontrei meu mundo, meu gueto. Eu poderia morar ali, naquela fila de embarque. Hipnotizada, fui empurrada para dentro do avião, que logo decolou e me levou para bem longe deste lugar onde EU NÃO EXISTO. O Carnaval do Rio de Janeiro.  

Resolvi pegar meu livro que estava guardado na bolsa dentro do bagageiro. Vi uma luz brilhante. Estranho… Era ela, a purpurina, infiltrada na mala do passageiro que viajava ao meu lado. Ele falava espanhol. Certamente, um erro da companhia que invadiu meu avião. Tentei retirar o pontinho achando que estávamos falando de apenas um foco, mas não, a purpurina tinha se alastrado e estava viajando comigo, no mesmo vôo, rumo a São Paulo. 

sentidos


Então eu terminei o inbox do Facebook dizendo que tinha novidades para contar. Achei melhor assim. Hoje em dia, como não escrevemos mais cartas vale mais criar uma expectativa sobre qualquer coisa, pois o que eu ia responder a pergunta feita do “amigo” sobre como eu estou? “Estou bem, trabalhando muito...” É sempre essa a resposta.  Eu poderia completar com um “pago minhas contas, os impostos e falo sozinha”! Mas preferi não completar, pois, os primeiros, são conseqüência do fato de eu ainda ter que trabalhar aos quase 40 anos e que falar sozinha não é socialmente aceitável.
Apesar que todo mundo fala sozinho! Mas se o sujeito fala sozinho, está ali acreditando que ninguém percebe. Confesso que quando vejo alguém falando sozinho na rua, me encanto. Tenho vontade de seguir e entender para onde vai aquela conversa solitária. Infelizmente, com o advento dos fones de celulares, volta e meia me pego seguindo alguém que parece que está falando sozinho, mas está falando no cel via fone.

Mas falar no celular também não é falar sozinho? Já pararam para pensar, ou ouvir qualquer conversa das pessoas no celular? Estou certa que a pessoa do outro lado da linha está fazendo qualquer outra coisa, menos ouvir o que está sendo dito pelo seu interlocutor. Afinal, quem ouve quem hoje em dia?

Tenho a impressão que se parar na praça que liga a Rua México com a Rio Branco, na altura da Cinelândia, e falar sozinha com os mendigos que ali dormem, estes sim irão me ouvir.  Não por nada. Carência talvez. Sou alguém que parou para olhar para eles.  Pois quem olha para eles?

De uma forma geral, quem olha e vê? Alguém te vê? Quem é você afinal? Acho que nem você sabe.

Então, nem posso te contar... São tantas novidades... Trabalho, pago contas, impostos e falo sozinha. Acredito que ninguém me vê falando sozinha. Falo sozinha porque não tenho ninguém para me ouvir.

Seria bom freqüentar a praça e resolver meus problemas de solidão, pena que o cheiro é ruim. Não dos moradores de rua, mas da praça. É impossível parar por lá sem ser defumada ou pelo lixo do fim do dia do Centro do Rio ou pelo churrasquinho que ferve a cada esquina.

Se me resta alguma coisa dos sentidos dos Deuses, posso falar do toque ou do paladar....

Sobre este último, já adianto, almoço e janto sozinha. Nem saboreio a comida, pois tenho que trabalhar muito, para pagar todas as contas, impostos para poder falar sozinha sem ninguém me pedir explicações.

Quanto ao toque. Enfim... após o advento do celular ou mesmo da tecnologia, muitas palavras mudaram de sentido. Toque por exemplo, hoje em dia significa: o toque do seu aparelho de celular – que dependendo do seu grau de solidão, nunca vai tocar, ou o toque do teclado do computador – forma moderna das pessoas se comunicarem para perguntar um breve “como você vai?” e você responder com um evasivo “estou bem, trabalhando muito... tenho novidades...”

check up

Há três anos não fazia check up. Hoje fui ao médico entregar meus exames. Expliquei o quanto estava preocupada com algumas taxas... “Deixa que o médico aqui sou eu!”
 
Sem querer contradizer o Doutor, tentei completar: “É que a tireóide me pareceu...”
 
_Eu fico te questionando como você produz seus filmes? Então, deixa que deste assunto cuido eu!
 
Ele é seco, mas muito culto e inteligente. Passa segurança. Deve ter uns 65 anos, com cara de 65 anos. Muito bem cuidado. Sabe gente do tipo que a gente não vê mais? Gente que está jovem, porque se cuidou e não porque fez plástica? Ele é assim. Têm mãos fortes, marcas no rosto que remetem uma certeza sobre a vida que não consigo alcançar. Talvez por ser médico. Os médicos são seres superiores.
 
O Doutor me explicou minuciosamente o exame. E lá estava: tenho um leve problema na tireóide! “Inicial.”- frisou.
 
Diante da minha visível tensão, ele me explicou o problema desenhando no verso do exame o que era o T3, T4, e todas as funções orgânicas que ininterruptamente envolvem este sistema. Resolvi, ingenuamente, dizer que já tinha me adiantado e dei um Google para pesquisar o assunto. Foi o fim! O Doutor ficou louco. Disse que era inaceitável usar a internet para saber sobre qualquer problema de saúde.
 
Tentei reverter a situação explicando que só queria saber se precisava comer brócolis! Não adiantou.
 
Como já fui atriz, usei deste artifício baixo e deixei cair algumas lágrimas enquanto confessava que era hipocondríaca e que estava com muito medo de morrer. “Tenho casos de câncer na família, Doutor...”
 
Ele ficou em silêncio me olhando e, finalmente, se sensibilizou. Segurou minha mão. Garantiu-me que eu não ia morrer. Empolgada com o momento acolhedor, comecei a filosofar falando que um dia todos nós iríamos morrer. “Sei que vou morrer. Só não gostaria que fosse agora...”
 
Passado o drama ele perguntou se todas as minhas dúvidas quanto a vida e a morte estavam resolvidas.
 
“Sim, Doutor. Com relação ao check up, tudo certo. Mas como detectamos que nunca tive hepatite B, será que não seria o caso de eu tomar a vacina?”
 
“Não acho necessário. Afinal, você não tem mais 20 anos. É uma mulher madura que não se relaciona com qualquer pessoa que conhece por aí. Que não tem relações promíscuas. Que se cuida...” Olhei para ele tentando esconder o riso. Preferi não revelar minha real personalidade. Afinal, esta era nossa segunda consulta, ele já estava chocado de eu ser hipocondríaca crônica, já tinha comprado a história do meu medo perante a morte, acho que saber que sou galinha destruiria nossa relação. E isso, eu não poderia perder. Afinal, ele é do Bradesco!
 
Tocava uma música clássica no consultório. Sempre me acalmo com música clássica. Me lembra o consultório do meu pediatra. Volto na infância. Eu sentia medo? Pensava na morte? Em que momento da vida passei a me preocupar com isso? De repente ouço um “Algo mais?” Eu não queria sair dali. Mesmo sabendo que não vou morrer agora, estar perto de um médico, me gera segurança. Resolvi me lembrar de mais algum problema...
 
Mostrei meu dedo mindinho. “Veja. Está inchado.” Ele permaneceu calado. “Sinto dores constantes. Deve ser artrose, Doutor. Sei que está cedo, mas nunca se sabe...” Ele apertou meu dedo, articulações, músculos e disse que estava tudo bem. “Tem certeza? Será que não devo falar com um ortopedista...” Não obtive resposta.
 
Ele olhou para o relógio. Já estávamos lá há quarenta minutos. Tempo longo para um medico do Bradesco.
 
O Doutor abriu a porta do consultório despedindo-se. Sorriu desta vez. Na porta lembrei de mais um problema, mas ele não me deu espaço.
 
Caminhei pelo Centro angustiada por não ter conversado com ele sobre minha suspeita de ter entrado na menopausa. Precoce, eu sei. Já olhei no Google e poucas mulheres entram na menopausa aos 38 anos, mas como ainda não tenho filhos e tão pouco um marido, preciso saber de todos os detalhes para me preparar psicologicamente e saber se darei o golpe da barriga amanhã ou serei uma velha sem família.
 
Quanto mais andava, mais pensava. Minha visão estava turva, meu coração batia rápido, até que lembrei que tenho uma consulta marcada com meu ginecologista na semana que vem!

....

A noite chega enquanto placas tectônicas se separam silenciosamente. Mundos deixam de existir. Casais deixam de ser. A noite chega no mesmo silêncio dos gritos da separação.

placebo


melhor escrever pra falar NADA. nada não é banana. banana dá indigestão. nada não é entrar em uma piscina gelada. VAZIO. a música está chata. não tenho discos, cds, i-pods ou rádios. por isso, achei melhor não conhecer chicocaetano... e olha que eles são TUDO. 

campanha política

tinha que haver uma lei que se vc não fosse um bom aluno de matemática na infância, estava livre dos juros bancários na fase adulta.

corpo

o coração é um lugar vazio preenchido por desejos, saudades e ilusões. difícil entender o que é real no meio disso tudo. talvez nada, além da matéria do próprio coração.

RIO+20

Olho nos olhos enquanto ando pelas ruas. Percebo estranhos buscando em mim uma referência que não existe. Não somos iguais. Deus se enganou. Não me compare. Não me faça de compadre. Não há padre. Sou incrédula. Só quero liberdade. Poder ser quem eu sou. Simples. Sem referências ou comparações.

Busco a pausa. Espaço. Silêncio. Isso basta. Dividiram o mundo em metros quadrados e me designaram uma pequena parte para sobreviver. Não consigo respirar neste quadrado. Tento entender para que lado deva girar. Mas é quadrado. Quadrado não gira. É reto. Não caibo. Não me enquadro.

O sujeito segue feliz. Ele pensa? O bom lugar sempre faz sol. Ele existe?

Liberté, Egalité, Fraternité. Que te diz? O silêncio é a ideologia do século XXI. Estar em silêncio diante do silêncio. Estar só – sozinho. Estar em silêncio. O conforto da solidão. Estar só – sozinho. Como silenciar meu pensamento? Freud nunca explicou.

Mamãe me deixou chorar. Amamentou-me até onde pode porque tinha que sair para trabalhar. Conquistar nosso metro quadrado. O choro quebrou meu corpo. O silêncio me trouxe dor. A solidão me fez crescer. De maneira estranha.

Tenho um nódulo no meio do pé. Ando torta. Piso na terra fofa e sinto algum equilíbrio. Mamãe me deu botas de solas grossas. Não me corto. Elas sufocam meu silêncio. Eu deixo de existir.

Ia virar planta. Desvendar os segredos do mundo. As solas de plástico bloquearam minha comunicação com o mundo. Quem sabe minha alma. Ia falar com Deus. Mandar ele se fuder. Não consegui. Mas e daí? Sou planta. Respiro e cresço por todos os lados.

A fraternidade e igualdade se venderam ao mundo moderno. Resta a liberdade. Último oxigênio. Nem todos entendem a nova revolução!


sem resposta

É tão difícil entender a vida, porque tentamos entender a morte?
Mesma espécie de vida...
Ambas doem.  Dia a dia. Pra quem vai e fica.
Será que passa?
Em silêncio, pergunto: vale a pena?
Não me cale mais.
Prometo que grito em silêncio.

HOJE

Nada aconteceu. Não nasci, nem morri. Só respiro. Parece que basta para se estar no mundo.

recado


Sinto falta do interlocutor. Procuro por palavras e ouvidos. Os beijos só vem para aquecer a frieza que a saudade deixou. Não vou te encontrar em ninguém, mas gostaria que meu sangue voltasse a circular pelo meu corpo e possibilitasse que meu cérebro voltasse a pensar.  Tento respirar o menos possível para não gastar o ar por onde você já passou. Não tenho mais ar dentro de mim. Me sinto fraca. Não posso voar ao seu encontro. Você voou mais alto. Perdi Pássaro, e não sei ao certo o que ainda estou buscando por aqui. Talvez passatempo. 

Carta de 1996


Logo ontem eu pensei em como nossa geração corre sem parar. Peguei uma gripe neste final de semana que me deixou trancada em casa e a frente da TV todo o dia. Nela, assisti a uma entrevista do Domingos de Oliveira com alguma militante da ditadura,  da geração dele... Enfim, não peguei a tempo de saber o nome dela, mas ela dizia como na época deles tudo era mais fácil. Ela quis fazer cinema e fez, ela quis escrever pro jornal e escreveu, ela quis atuar e virou atriz. E continuava ela dizendo, o quanto é difícil pra nossa geração hoje. Que não temos mais essa chance, nem esse tempo. Não existe mais esse dinheiro. Acho que de alguma forma, só  foi possível a classe média lutar contra a ditadura, pois seus filhos  não se preocupavam tanto assim em ganhar dinheiro, ou correr pra conseguir arrumar qualquer trabalho. Nesse mesmo dia, lendo de relance o "Boa Chance" (ainda acredito nele!), me espantei quando vi a quantidade de cursos de pós graduação, mestrados, doutorados e MBAs que qualquer jovem precisa fazer hoje o mais rápido possível pra se diferenciar. Esse jovem, lembra? Éramos tão jovens aos 15 e mal sabíamos o que íamos fazer. Mas, hoje, eles já precisam saber logo e bem cedo entrar na faculdade falando no mínimo 03 línguas, só pra poder concorrer e correr sem parar em busca de algo que eles nem sabem direito o que é. Sabe quem serão nossos advogados, médicos, dentistas ou mesmo artistas do futuro? Esses jovens que correm sem parar. No fundo eles treinam pra ser maratonistas!

Eu não falo nenhuma língua. Nem mesmo o meu português consigo expressar de forma clara para que me entendam. Não corri pra lugar determinado e estou cansada desta fobia pela informação. Sabe que descobriram que isso é doença? Nossos futuros homens adultos serão cada vez mais informados e, infelizmente, cada vez mais doentes.

Fico imaginando as conversas, cada um falando uma língua diferente, cada um trazendo um novo assunto que o outro não compreende. E passam-se torpedos, os celulares tocam sem parar, os e-mails e blogs, e orkuts... Milhões de trocas para não falar nada de relativa importância.

O mundo capitalista com sua fé consumista vai explodir a qualquer momento, pois não teremos mais como absorver nada. Chega de livros, de textos, de teses, de peças, de telas.. Quantos Louvres serão necessários no futuro para comportar a quantidade de produção do século XX e XXI? E por mais que existam milhões de Louvres, e Bibliotecas e Cinematecas e espaços teóricos, ah,  fora todo o lixo das futilidades, quem conseguirá absorver tanto? E de que adianta qualquer conhecimento se não existe mais alguém com quem se possa falar? 

Fiquei imaginando esta noite, que vai existir um lugar no futuro onde você entra e não recebe nada em troca. Não leva e não recebe. Entrará vazio e sairá mais vazio ainda. Mas esse vazio, acredito, trará espaço para poder ser preenchido por algum pensamento relevante. Finalmente teremos espaço rígido disponível para poder pensar e produzir pensamento. Sem ter a necessidade de ser consumido. Simplesmente para criar e diluir todas as nossas angústias e medos.


Uma Carta


O Conteúdo e a Forma:

CONTEÚDO - Abstrações. Sensações da palavra. Conceito. Abstração de sentido. Sem forma. Inexplicável. Te invade. Invasão. Te completa sem exatidão. Não há sentido ou resposta no reconhecimento. Não existe reconhecimento! Preenchimento do vazio. Pureza.  Sei lá o que diz nosso dicionário. Há muito que não o consulto. Me preencho neste vazio que a vida provoca. As vezes com conteúdo descartável. Busca de conteúdos inexplicáveis, incontroláveis... abstração;

FORMA - Os fatos. Reconhecimento. Sentido a abstração e fim da mesma. Sentido. Matéria. Material. Dinheiro, banal. Banalidades. A forma para explicar ações abstratas, uma resposta. Que resposta? Justificativa. Quantas palavras banais. E como tantos procuram uma explicação, não? Uma forma que lhes dê um sentido. De que serve? Se esta não é mais que uma serva, que jamais terá explicação?
Do quero falar?

Penso muito do momento em que perdi minhas Ideologias. Penso que era melhor com elas. Penso que a vida hoje não faz o menor sentido. Vivo formas e pronto. Conteúdos foram largados nos anos 70 onde eu mal nascia. Os anos 80, de que me valeram, senão pela existência de uns ou outros que já morreram? De que alimento viveremos? Hoje, no século vinte e 01? Da cebola, o alface ou o frango com gripe? Sabe que o frango pegou uma gripe?

Sei lá. Percebo cada vez mais que Conteúdo deveria nos preencher. A Forma é como massinha, depois que se pega a manha você se adapta e pronto. E fica ali, em um lugar qualquer. 

De que vale a Forma ? Aonde ela nos leva senão a frustração? De que adianta ter tudo e não ter clareza das escolhas? Você tem clareza de suas escolhas? Você está onde gostaria? Como gostaria? 

Focamos na forma e não no conteúdo da Vida. Nosso mundo moderno perdeu suas ideologias e partiu, na arte: para a psicanálise, na política: para os Programas Governamentais. Nos fudemos. 

Só posso me revoltar e tentar gritar sufocada.  Precisamos gritar nos buracos e viver no que nos resta, dos restos, nos restos humanos,

do lixo, das doenças, da FOME, da escravidão...

Neste mundo da gripe do Frango , da doença do gado, das doenças, dos remédios que compramos interminavelmente.

Afinal, falando em remédios, eles são feitos de fórmulas...

Deserto


Sinto as lágrimas percorrerem dentro do meu corpo, molhando meu sangue. Lágrimas secas que não saem pelos meus olhos. Só inflamam meus órgãos.... me impregnando de tristeza. 

Até Que a Morte Nos Separe


Carlos chega perto de Mariana abruptamente, olha em seus olhos e diz:

_ Preciso te falar uma coisa muito séria.
_ Fala.
_ Presta atenção, porque é serio.
_ Fala.
_ Não...

(Silêncio.  Eles se entreolham.)

_ Senta. – fala Carlos.
_ Sentei, fala logo !
_ Mariana, eu preciso saber de uma coisa.
_ Faala Carlos.
_ Mariana, você vai no meu enterro ?
_ O que ?
_ Eu quero saber se você vai no meu enterro ?
_ Como assim, no seu enterro?  Sei lá... É claro que eu vou.  Quando é ?  Quer dizer, que história é essa ?
_ Não Mariana, eu preciso saber se você vai.  Se você não vai esquecer, arrumar alguma desculpa e não ir, você sabe, você é tão ocupada, eu tenho medo.
_ Carlos, você devia ter medo é da morte e não da minha ausência ou presença no seu enterro!
_ Eu sei Mariana, mas a morte já está implícita, agora o meu enterro, eu preciso que seja , assim oh, com você lá.  Você vai, promete que vai.  Jura ? Jura ?
_ Tá juro.  Quer dizer.  Sei lá Carlos.  Eu não sei nem se estarei viva no seu enterro.  Como é que eu vou saber que estarei viva?  Primeiro, como é que eu vou saber se eu não vou morrer com você ?
_ Como assim? Será que ainda por cima essa !  Além de passarmos a vida toda juntos, Deus ainda vai colocar agente morrendo junto ?
_ Pó pera aí, você está reclamando? Por que? Não está gostando? Separa logo!
_ Não é isso meu amorzinho, vem cá. Olha, agente não pode se separar até a morte, entendeu?  Eu preciso de você no meu enterro.
_ Ai, tá bom, eu vou. Mas não fala mais em morte não, ta? Você ainda tem 40 anos.
_ Eu sei mas é que eu fiquei pensando nisto hoje.  Você é tão desligada.  Eu fico com medo de eu morrer e você esquecer de ir ao meu enterro.  Cagar.  Sei lá... estar fazendo as unhas e de repente se lembrar que esqueceu que eu morri e que você tinha o meu enterro.
_ Carlos, como é que eu vou saber se a gente vai estar junto até a sua morte?  E se de repente e gente se separar ?  Você morre daqui a uns 40 anos? Porque é o normal, não ?  Hoje em dia todo mundo vive até os 100!  Mas os casamentos não duram nem um terço disso. Pois então, como é que eu vou saber, caso você morra depois da gente já ter ser separado, como é que eu vou saber da sua  morte ?
_ Você não lê o jornal ?  Pelo obituário do jornal.  Você tem que me jurar que assim que a gente se separar você vai ler sempre o obituário do jornal e prestar bem atenção para ver se eu morri.
_ Ah... então você quer se separar de mim? É isso? Esse papo todo é pra dizer que nosso casamento acabou! Por que você não é mais direto, Carlos?
_ Não é nada disso... Eu não vou me separar de você até que a morte nos separe.
_ A gente não casou na Igreja, Carlos. Esse lema não vale pra nossa relação.
_ Viu como você está fugindo? Você sempre foge dos compromissos mais importantes da nossa vida!
_ Tá bom, seu bobo.  Quando você morrer eu juro que vou ao seu enterro.
_ Vai de preto.
_ Tá.
_ E vai chorar muito no caixão.  Mas assim, escandalosamente.
_ Tá, tá bom.
_ E vai segurar a alça do caixão !
_ Ah pera aí , assim você tá querendo demais! Cara, e se você estiver gordo e pesado ?
_ Eu juro que não vou estar gordo.
_ Ah, você quer emagrecer ? Então porque você não emagrece agora em vida ?  Você esta um pouco gordinho.
_ Jura ?
_ É.
_ Mariana, você está querendo o divórcio?
_ Não, Carlos... Só estou dizendo que você está gordo...
_ Você não me ama mais, é isso?
_ Gente mais o que está acontecendo aqui? Você foi na sua terapia essa semana?
_ Ela está de férias...
_ Bem vi, Carlos! Olha, me deixa em paz um pouquinho, ta? Não sei nem como terminar essa nossa conversa...