Purpurina_SP

Este ano consegui viajar no Carnaval.  Mesmo sendo a           trabalho, felizmente, minha missão não foi no Nordeste, e sim em São Paulo, cidade onde parece que a purpurina nunca foi inventada.

Decidi viajar na terça-feira de Carnaval com medo do aeroporto estar lotado na quarta-feira de cinzas. Marquei um vôo cedo para meus hábitos, mas tudo bem, desde que eu saísse do Rio de Janeiro e de toda confusão que envolve a cidade nesta época do ano.

Marquei um taxi no dia anterior para não correr o risco de não conseguir um pela manhã. O taxista chegou pontualmente. Consegui um motorista mudo, o que me ajudou muito naquela hora da manhã. Não gosto de falar logo que acordo. Muito menos com quem não conheço. Eu estava sonada, mas percebi que o banco estava repleto de purpurina. Fiquei preocupada. “Não posso infectar São Paulo com este vírus. Eles não sabem que isto existe!”

Chegamos rápido ao aeroporto. Eu me achava muito esperta, imaginando que o aeroporto estaria vazio, mas eis que a porta se abre e uma multidão surge a minha frente. Várias línguas e sotaques. Seres torrados pelo sol carioca. Gringos com havaianas retornando para casa com ar de quem vai gastar onda no inverno falido da Europa como se tivesse virado brasileiro. Famílias com malas enormes e coloridas. Crianças descabeladas e remelentas. Mulheres com saltos, blusas de paetês e a maldita purpurina brilhando contra mim! Eu precisava fugir.

Fiz rapidamente meu check in e sai para fumar um cigarro tentando encontrar um lugar distante onde eu não tivesse contato com tanta felicidade e alegria. Isolada consegui paz. Mas o sol estava radiante e o céu azul e lembrei que não fui a praia. Que poderia ter ido. Que poderia estar como aquelas pessoas, mas não fui.

Decidi não me deprimir diante da felicidade do senso comum. “Eu simplesmente não gosto, ok?” E com este mantra dirigi-me ao embarque.  Ultrapassei a barreira do arco-íris do verão carioca e caminhei rumo ao último portão do corredor, o R4.

De repente, um silêncio. Olhei ao longe e as mesmas pessoas estranhas falavam e gesticulavam muito. Mas ali onde eu estava tudo era diferente. Ou não! Ali onde eu estava pessoas comuns estavam a minha frente. Calça comprida. Casacos. Homens com laptops. Mulheres com celulares falando baixo. Rostos tensos. Rugas. Sim!  Olhei para a placa e eu estava no R4!

“Embarque do vôo Gol 1931  Rio de Janeiro/São Paulo -  Aeroporto de Congonhas” - dizia a voz calma e costumeira no alto falante do aeroporto. Voltei a respirar. Encontrei meu mundo, meu gueto. Eu poderia morar ali, naquela fila de embarque. Hipnotizada, fui empurrada para dentro do avião, que logo decolou e me levou para bem longe deste lugar onde EU NÃO EXISTO. O Carnaval do Rio de Janeiro.  

Resolvi pegar meu livro que estava guardado na bolsa dentro do bagageiro. Vi uma luz brilhante. Estranho… Era ela, a purpurina, infiltrada na mala do passageiro que viajava ao meu lado. Ele falava espanhol. Certamente, um erro da companhia que invadiu meu avião. Tentei retirar o pontinho achando que estávamos falando de apenas um foco, mas não, a purpurina tinha se alastrado e estava viajando comigo, no mesmo vôo, rumo a São Paulo. 

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