A fila do metro de Botafogo
atrapalha o caminho dos transeuntes. O cara da fila quase não te dá um espaço para
passar achando que você irá furar a fila. Ninguém te olha e pessoas vão se
esbarrando. A meta é andar para frente. Sim, assim ditou o último livro de auto
ajuda – “COMO ANDAR PARA FRENTE NA VIDA”.
Tenho que passar. Na linha
reta da minha vida existe um obstáculo. Uma trabalhadora bem vestida, óculos,
focada no seu iPhone 5. Ela tecla. Eu peço licença. Ela não tira os olhos do
celular. Peço novamente licença. Ela não me ouve, não me olha. Eu não posso
mudar meu caminho, pois estou guiada pelos mandamentos do livro que acabei de
ler “COMO CONSEGUIR TER FOCO NA VIDA”.
Preciso passar. Deve ser Toc, mas ainda não comprei o novo livro do autor para
saber como resolver esse problema. Eu quero passar. Aquele espaço também é meu!
Minha terapeuta disse que devo lutar pelo meu espaço na vida. Passo. Vou
respirar, mas ouço um “VACA” bem alto, dito pela linda jovem bem vestida, quase
bem sucedida.
Respirei. “Acho que ela
pensou alto”. Estava falando na rede com alguma amiga a qual queria chamar de
VACA. Mas não. A VACA era eu!
O que fazer? Quem sabe justiça com as
próprias mãos? Arrancar o iPhone5 das mãos da mini perua, despentear sua
escova progressiva, rasgar seu vestidinho de viscose florida. Ela não vai cair
no chão. A mini perua é cool e não usa salto alto. Está de sapatilhas com bicos
dourados que é a nova tendência da zona sul.
Ou de repente, eu poderia sacar o MEU iPhone5, tirar uma foto dela,
marcar TODOS os meus amigos e xingá-la dos nomes e palavras mais horrorosas. Eu
poderia até criar novos palavrões! ####rastegs#### Quem sabe teria alguns milhões
de compartilhamentos? Se tudo desse certo, até teria uma matéria no G1.
Caramba, ia virar uma VACA com 15 minutos de fama!
Só nesta semana, que começou há 3 dias a web bombou. Um jovem delinguente
foi preso acorrentado nu em um poste por Justiceiros do Flamengo, uma
jornalista da TV aberta se pronunciou em apoio, uma Prof. do Dep. de Letras da
PUC-RIO publicou comentários preconceituosos sobre um homem no aeroporto em sua
página do Facebook... Compartilhamentos intermináveis na timeline.
Mas para mim o mais sério que li na web foram os comentários dos
internautas na matéria do G1 sobre o enterro do cineasta Eduardo Coutinho. A
palavra VACA foi singela perante tamanha agressividade por parte dos
leitores.
Claro que sei que a maioria deles nem sabia quem era o cineasta,
inclusive, eles assumem isso, mas a liberdade de expressão, e neste caso não estamos
falando de uma liberdade de expressão de formulação de pensamentos construtivos,
mas sim, uma expressão de raiva ou sei lá o que estas pessoas guardam dentro de
si...
O que mais me chama a atenção é o fato das pessoas ao poderem falar no
anonimato, se soltam. E o que vem de dentro delas é pavoroso. Cruel,
preconceituoso, desumano, senão de uma ignorância atroz. Falta só educação?
Claro que falta educação, mas falta acima de tudo humanidade, respeito,
limites...
Voltando a ser chamada de VACA ao vivo e a cores. A questão é que com a
possibilidade da liberdade de expressão de qualquer um através da rede, aos
poucos, TODOS estão se sentido a vontade para expressarem sentimentos humanos
bastante agressivos, não só dentro dela, mas na vida real. Não sei realmente
onde vamos parar. É preciso imediatamente entendermos os limites de nossos
sentimentos mais profundos, frustrações, para não sairmos por aí achando normal
chamar pessoas de vaca, denegrir a imagem de um homem no aeroporto ou acorrentar
alguém num poste como se fosse um castigo.
Porque se você se sente no direito de fazer qualquer uma destas coisas, é
porque certamente a sua mãe esqueceu de te colocar de castigo quando era criança! Mas não se
preocupe, o segmento de auto ajuda tem vários livros para ajudar a humanidade a
conviver melhor!