Carta de 1996


Logo ontem eu pensei em como nossa geração corre sem parar. Peguei uma gripe neste final de semana que me deixou trancada em casa e a frente da TV todo o dia. Nela, assisti a uma entrevista do Domingos de Oliveira com alguma militante da ditadura,  da geração dele... Enfim, não peguei a tempo de saber o nome dela, mas ela dizia como na época deles tudo era mais fácil. Ela quis fazer cinema e fez, ela quis escrever pro jornal e escreveu, ela quis atuar e virou atriz. E continuava ela dizendo, o quanto é difícil pra nossa geração hoje. Que não temos mais essa chance, nem esse tempo. Não existe mais esse dinheiro. Acho que de alguma forma, só  foi possível a classe média lutar contra a ditadura, pois seus filhos  não se preocupavam tanto assim em ganhar dinheiro, ou correr pra conseguir arrumar qualquer trabalho. Nesse mesmo dia, lendo de relance o "Boa Chance" (ainda acredito nele!), me espantei quando vi a quantidade de cursos de pós graduação, mestrados, doutorados e MBAs que qualquer jovem precisa fazer hoje o mais rápido possível pra se diferenciar. Esse jovem, lembra? Éramos tão jovens aos 15 e mal sabíamos o que íamos fazer. Mas, hoje, eles já precisam saber logo e bem cedo entrar na faculdade falando no mínimo 03 línguas, só pra poder concorrer e correr sem parar em busca de algo que eles nem sabem direito o que é. Sabe quem serão nossos advogados, médicos, dentistas ou mesmo artistas do futuro? Esses jovens que correm sem parar. No fundo eles treinam pra ser maratonistas!

Eu não falo nenhuma língua. Nem mesmo o meu português consigo expressar de forma clara para que me entendam. Não corri pra lugar determinado e estou cansada desta fobia pela informação. Sabe que descobriram que isso é doença? Nossos futuros homens adultos serão cada vez mais informados e, infelizmente, cada vez mais doentes.

Fico imaginando as conversas, cada um falando uma língua diferente, cada um trazendo um novo assunto que o outro não compreende. E passam-se torpedos, os celulares tocam sem parar, os e-mails e blogs, e orkuts... Milhões de trocas para não falar nada de relativa importância.

O mundo capitalista com sua fé consumista vai explodir a qualquer momento, pois não teremos mais como absorver nada. Chega de livros, de textos, de teses, de peças, de telas.. Quantos Louvres serão necessários no futuro para comportar a quantidade de produção do século XX e XXI? E por mais que existam milhões de Louvres, e Bibliotecas e Cinematecas e espaços teóricos, ah,  fora todo o lixo das futilidades, quem conseguirá absorver tanto? E de que adianta qualquer conhecimento se não existe mais alguém com quem se possa falar? 

Fiquei imaginando esta noite, que vai existir um lugar no futuro onde você entra e não recebe nada em troca. Não leva e não recebe. Entrará vazio e sairá mais vazio ainda. Mas esse vazio, acredito, trará espaço para poder ser preenchido por algum pensamento relevante. Finalmente teremos espaço rígido disponível para poder pensar e produzir pensamento. Sem ter a necessidade de ser consumido. Simplesmente para criar e diluir todas as nossas angústias e medos.


Uma Carta


O Conteúdo e a Forma:

CONTEÚDO - Abstrações. Sensações da palavra. Conceito. Abstração de sentido. Sem forma. Inexplicável. Te invade. Invasão. Te completa sem exatidão. Não há sentido ou resposta no reconhecimento. Não existe reconhecimento! Preenchimento do vazio. Pureza.  Sei lá o que diz nosso dicionário. Há muito que não o consulto. Me preencho neste vazio que a vida provoca. As vezes com conteúdo descartável. Busca de conteúdos inexplicáveis, incontroláveis... abstração;

FORMA - Os fatos. Reconhecimento. Sentido a abstração e fim da mesma. Sentido. Matéria. Material. Dinheiro, banal. Banalidades. A forma para explicar ações abstratas, uma resposta. Que resposta? Justificativa. Quantas palavras banais. E como tantos procuram uma explicação, não? Uma forma que lhes dê um sentido. De que serve? Se esta não é mais que uma serva, que jamais terá explicação?
Do quero falar?

Penso muito do momento em que perdi minhas Ideologias. Penso que era melhor com elas. Penso que a vida hoje não faz o menor sentido. Vivo formas e pronto. Conteúdos foram largados nos anos 70 onde eu mal nascia. Os anos 80, de que me valeram, senão pela existência de uns ou outros que já morreram? De que alimento viveremos? Hoje, no século vinte e 01? Da cebola, o alface ou o frango com gripe? Sabe que o frango pegou uma gripe?

Sei lá. Percebo cada vez mais que Conteúdo deveria nos preencher. A Forma é como massinha, depois que se pega a manha você se adapta e pronto. E fica ali, em um lugar qualquer. 

De que vale a Forma ? Aonde ela nos leva senão a frustração? De que adianta ter tudo e não ter clareza das escolhas? Você tem clareza de suas escolhas? Você está onde gostaria? Como gostaria? 

Focamos na forma e não no conteúdo da Vida. Nosso mundo moderno perdeu suas ideologias e partiu, na arte: para a psicanálise, na política: para os Programas Governamentais. Nos fudemos. 

Só posso me revoltar e tentar gritar sufocada.  Precisamos gritar nos buracos e viver no que nos resta, dos restos, nos restos humanos,

do lixo, das doenças, da FOME, da escravidão...

Neste mundo da gripe do Frango , da doença do gado, das doenças, dos remédios que compramos interminavelmente.

Afinal, falando em remédios, eles são feitos de fórmulas...

Deserto


Sinto as lágrimas percorrerem dentro do meu corpo, molhando meu sangue. Lágrimas secas que não saem pelos meus olhos. Só inflamam meus órgãos.... me impregnando de tristeza. 

Até Que a Morte Nos Separe


Carlos chega perto de Mariana abruptamente, olha em seus olhos e diz:

_ Preciso te falar uma coisa muito séria.
_ Fala.
_ Presta atenção, porque é serio.
_ Fala.
_ Não...

(Silêncio.  Eles se entreolham.)

_ Senta. – fala Carlos.
_ Sentei, fala logo !
_ Mariana, eu preciso saber de uma coisa.
_ Faala Carlos.
_ Mariana, você vai no meu enterro ?
_ O que ?
_ Eu quero saber se você vai no meu enterro ?
_ Como assim, no seu enterro?  Sei lá... É claro que eu vou.  Quando é ?  Quer dizer, que história é essa ?
_ Não Mariana, eu preciso saber se você vai.  Se você não vai esquecer, arrumar alguma desculpa e não ir, você sabe, você é tão ocupada, eu tenho medo.
_ Carlos, você devia ter medo é da morte e não da minha ausência ou presença no seu enterro!
_ Eu sei Mariana, mas a morte já está implícita, agora o meu enterro, eu preciso que seja , assim oh, com você lá.  Você vai, promete que vai.  Jura ? Jura ?
_ Tá juro.  Quer dizer.  Sei lá Carlos.  Eu não sei nem se estarei viva no seu enterro.  Como é que eu vou saber que estarei viva?  Primeiro, como é que eu vou saber se eu não vou morrer com você ?
_ Como assim? Será que ainda por cima essa !  Além de passarmos a vida toda juntos, Deus ainda vai colocar agente morrendo junto ?
_ Pó pera aí, você está reclamando? Por que? Não está gostando? Separa logo!
_ Não é isso meu amorzinho, vem cá. Olha, agente não pode se separar até a morte, entendeu?  Eu preciso de você no meu enterro.
_ Ai, tá bom, eu vou. Mas não fala mais em morte não, ta? Você ainda tem 40 anos.
_ Eu sei mas é que eu fiquei pensando nisto hoje.  Você é tão desligada.  Eu fico com medo de eu morrer e você esquecer de ir ao meu enterro.  Cagar.  Sei lá... estar fazendo as unhas e de repente se lembrar que esqueceu que eu morri e que você tinha o meu enterro.
_ Carlos, como é que eu vou saber se a gente vai estar junto até a sua morte?  E se de repente e gente se separar ?  Você morre daqui a uns 40 anos? Porque é o normal, não ?  Hoje em dia todo mundo vive até os 100!  Mas os casamentos não duram nem um terço disso. Pois então, como é que eu vou saber, caso você morra depois da gente já ter ser separado, como é que eu vou saber da sua  morte ?
_ Você não lê o jornal ?  Pelo obituário do jornal.  Você tem que me jurar que assim que a gente se separar você vai ler sempre o obituário do jornal e prestar bem atenção para ver se eu morri.
_ Ah... então você quer se separar de mim? É isso? Esse papo todo é pra dizer que nosso casamento acabou! Por que você não é mais direto, Carlos?
_ Não é nada disso... Eu não vou me separar de você até que a morte nos separe.
_ A gente não casou na Igreja, Carlos. Esse lema não vale pra nossa relação.
_ Viu como você está fugindo? Você sempre foge dos compromissos mais importantes da nossa vida!
_ Tá bom, seu bobo.  Quando você morrer eu juro que vou ao seu enterro.
_ Vai de preto.
_ Tá.
_ E vai chorar muito no caixão.  Mas assim, escandalosamente.
_ Tá, tá bom.
_ E vai segurar a alça do caixão !
_ Ah pera aí , assim você tá querendo demais! Cara, e se você estiver gordo e pesado ?
_ Eu juro que não vou estar gordo.
_ Ah, você quer emagrecer ? Então porque você não emagrece agora em vida ?  Você esta um pouco gordinho.
_ Jura ?
_ É.
_ Mariana, você está querendo o divórcio?
_ Não, Carlos... Só estou dizendo que você está gordo...
_ Você não me ama mais, é isso?
_ Gente mais o que está acontecendo aqui? Você foi na sua terapia essa semana?
_ Ela está de férias...
_ Bem vi, Carlos! Olha, me deixa em paz um pouquinho, ta? Não sei nem como terminar essa nossa conversa...

Blog


ESTIVE PENSANDO ...
ENQUANTO ME DESLOCO PELO MUNDO
DE UM LUGAR QUALQUER
PARA OUTRO INÚTIL
QUE PERCO UM TEMPO INFINITO
EM DIVAGAÇÕES ESDRÚXULAS.

Pessimismo


A vida será sempre uma eterna infância
Ouviremos falar em balanços,
Sobe e desce da gangorra.
E um escorregador que te conduz ao fundo do poço.

No sonho


A caminhada pela areia foi estranha. Meus pés doem até agora. Estão queimados e cansados. As pernas latejam e meus ombros ardem do sol. Meus olhos secaram por causa do sal da água e eu os fechei para dormir.

Eu sonhei que andava por uma praia. Tinha em mente chegar a algum lugar que eu não sabia como era, nem como chegar. Apenas reto. Sempre reto. Simples. Rito.

Segui pelo litoral. A uma certa hora cansei e me deitei num coqueiro para à sombra relaxar. Dormi. Sabe que tanto que até sonhei? Sonhei que caminhava pela praia e de repente encontrei a mim mesmo dormindo debaixo de um coqueiro. Fiquei intrigado e fui acordar-me. O EU recém acordado, espantou-se ao me ver, pois disse que estava dormindo e sonhou que tinha se encontrado.

Ambos espantados. Não sabiam se voltavam a dormir ou iam caminhar na praia. Não sabiam se voltavam a sonhar ou iam viver.

Baú 2


Espreme
Você vai transbordar
As lágrimas
Que não querem sair do meu corpo
Corpo que não quer
Sair do ventre da mãe.

Baú


FELIZ DIA
MESMO ESSE QUE NÃO ACONTECE
QUE PARECE
NÃO AMANHECE
MAS ENFIM
ELE JÁ TERMINA
COM A LUA QUASE CHEIA
E EU, MENINA FELIZ
QUASE CHEIA DE JÁ SER MULHER.