Uma Saga em Recife

Acordei as seis da manhã para viajar para Recife. Realmente, acordar cedo muda tudo na vida. Sempre me sinto bem. Não sei porque insisto nessa faceta de dormir as 3 e acordar ao meio dia. 
Passei o dia inteiro pensando nisso e planejei o dia seguinte, acordando cedo, mergulho no mar, visita ao Mercado, trabalhar... Eu tinha decidido minha nova vida! As sete da noite, tomada por esta euforia, comecei a escrever um texto refletindo sobre a questão da Preguiça na minha vida. Estava listando todas as mudanças que faria no meu dia a dia, mas fui interrompida e o texto ficou inacabado. Já tinha desistido de escrever, quando a meia noite perdi o sono. Pulou na minha mente Paul Lafargue e o seu "O Direito à Preguiça", junto com a teoria do ócio do Domenico di Masi. Mudei todo o teor do texto, desta vez, enaltecendo o MEU direito à preguiça. 
Eu estava na varanda do apto do hotel para poder fumar enquanto escrevia. Ao final, ia voltar para o quarto, quando percebi que a porta da varanda não abria. Eu tinha ficado presa do lado de fora!!!
13º andar, nenhum vizinho no hotel, prédio da frente todo apagado, o outro em obras, abaixo, prédios bem baixos, meu celular dentro do quarto...
Faltou ar. Vinha uma brisa maravilhosa da praia, mas nada acalmava a minha mente. Constatei que morreria sozinha, na varanda de 2 mts quadrados do Lucsin Hotel, sem vista para o mar, pensando sobre a preguiça! Olhei no reflexo da porta e percebi que, ainda por cima, vestia uma roupa escrota.  
Tentei respirar o vento refrescante de Recife e não me desesperar. Resolvi fumar um cigarro, mas o isqueiro estava dentro do quarto. Desta vez, bateu pânico. 
Tentei forçar a porta, olhei inúmeras vezes para as varandas vizinhas, prédios, nada. Eu estava literalmente sozinha. 
Consegui me acalmar novamente e lembrei que estava com meu computador. Podia pedir socorro através do Skype ou do chat do Facebook. O único problema é que a internet do hotel não funcionava na varanda se a porta estivesse fechada. Não tinha sinal. 
Tentei mesmo assim, iniciando e reiniciando o computador até que o Skype conectou. Só tinham 3 pessoas on-line: duas que trabalhei em São Paulo há cinco anos atrás e não tinha a menor intimidade, e a Mirelle, assistente da Sarah Morris, que vive em NY. Ou seja, não tinha como pedir socorro a nenhuma destas pessoas. Ia ser mais ridículo explicar minha situação à elas do que morrer na varanda do Lucsin Hotel, vestida de forma escrota. 
Facebook finalmente conectou. Da mesma forma, todos os "amigos" on-line eram pessoas que eu não poderia falar sobre o meu problema. 
Resolvi esperar mais um pouco. Imaginei todos os transtornos que causaria meu sumiço. A equipe de filmagem chegando no aeroporto e nenhum carro para buscá-los. Era o meu fim. Desesperada, tentei forçar a porta mais uma vez, olhei inúmeras vezes para as varandas vizinhas, prédios e nada. Eu estava sozinha.
Finalmente, cinco amigos (de verdade) entraram no chat do Facebook. Escrevi compulsivamente para todos, explicando a minha situação, passando o tel do hotel, mais número do apto, pedindo socorro em caixa alta e muitos pontos de exclamação!!! Todos ligaram para o hotel. Todos me responderam dizendo que alguém estava indo me salvar, mas nada do socorro chegar. 
Lembrei que a porta do quarto estava trancada. Imaginei que a demora era por isso. Desesperada entrei no Google tentando entender se em Recife tinha chaveiro 24h até que lembrei que qualquer hotel tem chave mestra. O que o pânico não faz! 
O homem do hotel chegou. Ele não conseguiu conter o riso. Não tive como culpá-lo. "A culpa foi da porta que bateu e com o vento a chave virou." - ele disse.  
Sentei na cama deprimida. Vi que ele olhava para minha roupa escrota. Me deprimi ainda mais. Eu só pensava no pior: E se estivesse nua? E se estivesse com dor de barriga? E se estivesse sem meu computador? Ele viu meu desespero. Tentou me acalmar dizendo que eu poderia ter quebrado o vidro da porta da varanda, caso eu não estivesse com o meu computador. Olhamos para meu braço fino e sem músculos. 
O silêncio foi o melhor caminho para a solução dele. 
Entrei no Facebook e agradeci a todos os meus amigos que ligaram para o hotel solicitando meu resgate. Maira, natural de Recife, se despediu de mim me dando um valioso conselho: "Ana, não vá a varandas em Recife sem colocar uma toalha na porta." Como não pensei nisso?!? Achei que o grande problema da cidade fossem os tubarões! 
Decidi não pensar em mais nada. Coloquei a toalha na porta da varanda e fui fumar meu último cigarro tentando me acalmar e finalmente dormir. 
Passou um tempo, consegui clarear a mente quando tive uma idéia brilhante: caso eu não fosse resgatada, bastaria tirar a camiseta que eu tinha colocado por cima do vestido por causa do frio. Eu ia morrer, mas pelo menos morreria com um vestidinho preto. É do camelô da pracinha da Pedro Lessa, do Centro da cidade, mas tudo bem, preto é sempre preto. Pretinho básico!
Por que mesmo eu estava pensando na preguiça?...










 

SEM LIMITES NA REDE E QUANDO A REDE ULTRAPASSA A FRONTEIRA DO VIRTUAL PARA O REAL OU A CULPA É SEMPRE DA MAE


A fila do metro de Botafogo atrapalha o caminho dos transeuntes. O cara da fila quase não te dá um espaço para passar achando que você irá furar a fila. Ninguém te olha e pessoas vão se esbarrando. A meta é andar para frente. Sim, assim ditou o último livro de auto ajuda – “COMO ANDAR PARA FRENTE NA VIDA”.

Tenho que passar. Na linha reta da minha vida existe um obstáculo. Uma trabalhadora bem vestida, óculos, focada no seu iPhone 5. Ela tecla. Eu peço licença. Ela não tira os olhos do celular. Peço novamente licença. Ela não me ouve, não me olha. Eu não posso mudar meu caminho, pois estou guiada pelos mandamentos do livro que acabei de ler “COMO CONSEGUIR TER FOCO NA VIDA”. Preciso passar. Deve ser Toc, mas ainda não comprei o novo livro do autor para saber como resolver esse problema. Eu quero passar. Aquele espaço também é meu! Minha terapeuta disse que devo lutar pelo meu espaço na vida. Passo. Vou respirar, mas ouço um “VACA” bem alto, dito pela linda jovem bem vestida, quase bem sucedida.

Respirei. “Acho que ela pensou alto”. Estava falando na rede com alguma amiga a qual queria chamar de VACA. Mas não. A VACA era eu!

O que fazer? Quem sabe justiça com as próprias mãos? Arrancar o iPhone5 das mãos da mini perua, despentear sua escova progressiva, rasgar seu vestidinho de viscose florida. Ela não vai cair no chão. A mini perua é cool e não usa salto alto. Está de sapatilhas com bicos dourados que é a nova tendência da zona sul.

Ou de repente, eu poderia sacar o MEU iPhone5, tirar uma foto dela, marcar TODOS os meus amigos e xingá-la dos nomes e palavras mais horrorosas. Eu poderia até criar novos palavrões! ####rastegs#### Quem sabe teria alguns milhões de compartilhamentos? Se tudo desse certo, até teria uma matéria no G1. Caramba, ia virar uma VACA com 15 minutos de fama!

Só nesta semana, que começou há 3 dias a web bombou. Um jovem delinguente foi preso acorrentado nu em um poste por Justiceiros do Flamengo, uma jornalista da TV aberta se pronunciou em apoio, uma Prof. do Dep. de Letras da PUC-RIO publicou comentários preconceituosos sobre um homem no aeroporto em sua página do Facebook... Compartilhamentos intermináveis na timeline.

Mas para mim o mais sério que li na web foram os comentários dos internautas na matéria do G1 sobre o enterro do cineasta Eduardo Coutinho. A palavra VACA foi singela perante tamanha agressividade por parte dos leitores.

Claro que sei que a maioria deles nem sabia quem era o cineasta, inclusive, eles assumem isso, mas a liberdade de expressão, e neste caso não estamos falando de uma liberdade de expressão de formulação de pensamentos construtivos, mas sim, uma expressão de raiva ou sei lá o que estas pessoas guardam dentro de si...

O que mais me chama a atenção é o fato das pessoas ao poderem falar no anonimato, se soltam. E o que vem de dentro delas é pavoroso. Cruel, preconceituoso, desumano, senão de uma ignorância atroz. Falta só educação? Claro que falta educação, mas falta acima de tudo humanidade, respeito, limites...

Voltando a ser chamada de VACA ao vivo e a cores. A questão é que com a possibilidade da liberdade de expressão de qualquer um através da rede, aos poucos, TODOS estão se sentido a vontade para expressarem sentimentos humanos bastante agressivos, não só dentro dela, mas na vida real. Não sei realmente onde vamos parar. É preciso imediatamente entendermos os limites de nossos sentimentos mais profundos, frustrações, para não sairmos por aí achando normal chamar pessoas de vaca, denegrir a imagem de um homem no aeroporto ou acorrentar alguém num poste como se fosse um castigo.

Porque se você se sente no direito de fazer qualquer uma destas coisas, é porque certamente a sua mãe esqueceu de te colocar de castigo quando era criança! Mas não se preocupe, o segmento de auto ajuda tem vários livros para ajudar a humanidade a conviver melhor!