sentidos


Então eu terminei o inbox do Facebook dizendo que tinha novidades para contar. Achei melhor assim. Hoje em dia, como não escrevemos mais cartas vale mais criar uma expectativa sobre qualquer coisa, pois o que eu ia responder a pergunta feita do “amigo” sobre como eu estou? “Estou bem, trabalhando muito...” É sempre essa a resposta.  Eu poderia completar com um “pago minhas contas, os impostos e falo sozinha”! Mas preferi não completar, pois, os primeiros, são conseqüência do fato de eu ainda ter que trabalhar aos quase 40 anos e que falar sozinha não é socialmente aceitável.
Apesar que todo mundo fala sozinho! Mas se o sujeito fala sozinho, está ali acreditando que ninguém percebe. Confesso que quando vejo alguém falando sozinho na rua, me encanto. Tenho vontade de seguir e entender para onde vai aquela conversa solitária. Infelizmente, com o advento dos fones de celulares, volta e meia me pego seguindo alguém que parece que está falando sozinho, mas está falando no cel via fone.

Mas falar no celular também não é falar sozinho? Já pararam para pensar, ou ouvir qualquer conversa das pessoas no celular? Estou certa que a pessoa do outro lado da linha está fazendo qualquer outra coisa, menos ouvir o que está sendo dito pelo seu interlocutor. Afinal, quem ouve quem hoje em dia?

Tenho a impressão que se parar na praça que liga a Rua México com a Rio Branco, na altura da Cinelândia, e falar sozinha com os mendigos que ali dormem, estes sim irão me ouvir.  Não por nada. Carência talvez. Sou alguém que parou para olhar para eles.  Pois quem olha para eles?

De uma forma geral, quem olha e vê? Alguém te vê? Quem é você afinal? Acho que nem você sabe.

Então, nem posso te contar... São tantas novidades... Trabalho, pago contas, impostos e falo sozinha. Acredito que ninguém me vê falando sozinha. Falo sozinha porque não tenho ninguém para me ouvir.

Seria bom freqüentar a praça e resolver meus problemas de solidão, pena que o cheiro é ruim. Não dos moradores de rua, mas da praça. É impossível parar por lá sem ser defumada ou pelo lixo do fim do dia do Centro do Rio ou pelo churrasquinho que ferve a cada esquina.

Se me resta alguma coisa dos sentidos dos Deuses, posso falar do toque ou do paladar....

Sobre este último, já adianto, almoço e janto sozinha. Nem saboreio a comida, pois tenho que trabalhar muito, para pagar todas as contas, impostos para poder falar sozinha sem ninguém me pedir explicações.

Quanto ao toque. Enfim... após o advento do celular ou mesmo da tecnologia, muitas palavras mudaram de sentido. Toque por exemplo, hoje em dia significa: o toque do seu aparelho de celular – que dependendo do seu grau de solidão, nunca vai tocar, ou o toque do teclado do computador – forma moderna das pessoas se comunicarem para perguntar um breve “como você vai?” e você responder com um evasivo “estou bem, trabalhando muito... tenho novidades...”

Um comentário:

  1. E as pessoas não "falam sozinhas" também nas redes sociais? Vai me dizer que você não reparou nisso? :-)

    Ah, a "evolução" da humanidade! Cada vez mais, nos entupimos de tantas coisas para fazer, que já nem sei se ainda sabemos diferenciar o que é importante do que é supérfluo... Até rabisquei como eu me sinto em relação ao assunto: http://inconvencional.com.br/2013/03/24/ainda-que-voce-seja-imortal-as-outras-pessoas-nao-sao/.

    No fim, estamos todos sozinhos "juntos". "Teje" vista :-)

    Até!

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