check up

Há três anos não fazia check up. Hoje fui ao médico entregar meus exames. Expliquei o quanto estava preocupada com algumas taxas... “Deixa que o médico aqui sou eu!”
 
Sem querer contradizer o Doutor, tentei completar: “É que a tireóide me pareceu...”
 
_Eu fico te questionando como você produz seus filmes? Então, deixa que deste assunto cuido eu!
 
Ele é seco, mas muito culto e inteligente. Passa segurança. Deve ter uns 65 anos, com cara de 65 anos. Muito bem cuidado. Sabe gente do tipo que a gente não vê mais? Gente que está jovem, porque se cuidou e não porque fez plástica? Ele é assim. Têm mãos fortes, marcas no rosto que remetem uma certeza sobre a vida que não consigo alcançar. Talvez por ser médico. Os médicos são seres superiores.
 
O Doutor me explicou minuciosamente o exame. E lá estava: tenho um leve problema na tireóide! “Inicial.”- frisou.
 
Diante da minha visível tensão, ele me explicou o problema desenhando no verso do exame o que era o T3, T4, e todas as funções orgânicas que ininterruptamente envolvem este sistema. Resolvi, ingenuamente, dizer que já tinha me adiantado e dei um Google para pesquisar o assunto. Foi o fim! O Doutor ficou louco. Disse que era inaceitável usar a internet para saber sobre qualquer problema de saúde.
 
Tentei reverter a situação explicando que só queria saber se precisava comer brócolis! Não adiantou.
 
Como já fui atriz, usei deste artifício baixo e deixei cair algumas lágrimas enquanto confessava que era hipocondríaca e que estava com muito medo de morrer. “Tenho casos de câncer na família, Doutor...”
 
Ele ficou em silêncio me olhando e, finalmente, se sensibilizou. Segurou minha mão. Garantiu-me que eu não ia morrer. Empolgada com o momento acolhedor, comecei a filosofar falando que um dia todos nós iríamos morrer. “Sei que vou morrer. Só não gostaria que fosse agora...”
 
Passado o drama ele perguntou se todas as minhas dúvidas quanto a vida e a morte estavam resolvidas.
 
“Sim, Doutor. Com relação ao check up, tudo certo. Mas como detectamos que nunca tive hepatite B, será que não seria o caso de eu tomar a vacina?”
 
“Não acho necessário. Afinal, você não tem mais 20 anos. É uma mulher madura que não se relaciona com qualquer pessoa que conhece por aí. Que não tem relações promíscuas. Que se cuida...” Olhei para ele tentando esconder o riso. Preferi não revelar minha real personalidade. Afinal, esta era nossa segunda consulta, ele já estava chocado de eu ser hipocondríaca crônica, já tinha comprado a história do meu medo perante a morte, acho que saber que sou galinha destruiria nossa relação. E isso, eu não poderia perder. Afinal, ele é do Bradesco!
 
Tocava uma música clássica no consultório. Sempre me acalmo com música clássica. Me lembra o consultório do meu pediatra. Volto na infância. Eu sentia medo? Pensava na morte? Em que momento da vida passei a me preocupar com isso? De repente ouço um “Algo mais?” Eu não queria sair dali. Mesmo sabendo que não vou morrer agora, estar perto de um médico, me gera segurança. Resolvi me lembrar de mais algum problema...
 
Mostrei meu dedo mindinho. “Veja. Está inchado.” Ele permaneceu calado. “Sinto dores constantes. Deve ser artrose, Doutor. Sei que está cedo, mas nunca se sabe...” Ele apertou meu dedo, articulações, músculos e disse que estava tudo bem. “Tem certeza? Será que não devo falar com um ortopedista...” Não obtive resposta.
 
Ele olhou para o relógio. Já estávamos lá há quarenta minutos. Tempo longo para um medico do Bradesco.
 
O Doutor abriu a porta do consultório despedindo-se. Sorriu desta vez. Na porta lembrei de mais um problema, mas ele não me deu espaço.
 
Caminhei pelo Centro angustiada por não ter conversado com ele sobre minha suspeita de ter entrado na menopausa. Precoce, eu sei. Já olhei no Google e poucas mulheres entram na menopausa aos 38 anos, mas como ainda não tenho filhos e tão pouco um marido, preciso saber de todos os detalhes para me preparar psicologicamente e saber se darei o golpe da barriga amanhã ou serei uma velha sem família.
 
Quanto mais andava, mais pensava. Minha visão estava turva, meu coração batia rápido, até que lembrei que tenho uma consulta marcada com meu ginecologista na semana que vem!