Na Ilha


Não se engane com as direções e jogue fora sua bússola.
As direções são só quatro.  
Quando acordar entenda dos fusos horários mundiais.
No seu fuso, fique confuso.
Grita, se doer. Ou grita de prazer...

Minha ilha.
Sem dia ou noite.
Há só um temporal...
Mas é possível vermos a novela....

Lembrei agora que te amo.  

Megafone

Não posso escrever sobre o caso do Prefeito Eduardo Paes ter agredido fisicamente o músico e escritor Botika, pois meu computador está quebrado, e sem seu acento mais importante – o de interrogação.

E como posso escrever sobre um caso tão agressivo, não só ao agredido, mas a mim mesma como cidadã, sem poder interrogar (interrogação).

Mas eis que existem os parênteses, que formam um espaço capaz de nos preencher quando estamos a perguntar. Espaços do vazio, sabe (interrogação).
Após o soco, um vazio. E mais um soco, um vazio. Só quem apanhou na vida sabe o sentido real da palavra vazio e percebe o quanto o vazio nos agride mais que um soco.

A cidade do Rio de Janeiro está vazia. Nossa política é vazia. O Brasil, país do momento, lotado de gente estrangeira ou estranha, exatamente por isso, está vazio.

Todos os dias levamos socos, agressões morais como cidadãos e nada conseguimos fazer. Não vou julgar aqui se Botika tinha ou não o direito de agredir verbalmente nosso Prefeito, mas dia a dia, nossos governantes nos agridem com escolas que não funcionam, hospitais que não atendem, ruas que não existem e a violência que fingem não existir pois foi maquiada.

Aumentaram o som da música para ninguém ouvir mais o som da realidade.

Botika, um músico cheio de indignação, falou ao Prefeito, da situação na qual estamos vivendo. Interrogou com muitos acentos sobre nossos vazios. Mas levou mais um soco... vazio!  

Vazio é o soco diário. Vazio é um saco! Saco vazio onde o Rio de Janeiro foi enterrado vivo.

Que bom que era um músico e escritor, que tem a arte nas veias e pode gritar mais que o som da violência diária a qual vivemos, acostumados, despercebidos...

Todos nós já somos vazios e estamos em silencio.
Beijos e band aind para Botika!

Prometeu Acorrentado


Prometeu ficar acorrentado. O mundo o faria feliz. Pagou um preço alto. Não sabia o que era a felicidade. Imaginou, influenciado pela margarina. Logo, os cientistas disseram que a margarina fazia mal a saúde, e ele estava ali, acorrentado. Não podia voltar no tempo da sua promessa. Não sabia o que esperar de um futuro onde o azeite ainda não estava na moda. Ele gostava de gordura. Era um casal gordo do final do século XIX, acomodado.

Início do século XX, ele prometeu ficar acorrentado, mas sua mulher resolveu fazer regime. Usava espartilhos que cortavam seu ar. Começaram a ter problemas na relação. Um amigo próximo, Freud, aconselhou que fizessem terapia de casal.

Ser feliz é: tomar um lindo café da manhã com a família - pães, ovos, bacon, bolo e suco de laranja. A negra, recém liberta, determinou que tinha que ter café preto e com ele, trouxe o açúcar para a mesa. Ela acreditava na energia do pó, mesmo que branca.

Prometeu estava acorrentado. Esperando pela felicidade que deveria vir de dentro de si, mas até agora só se concentrava no fogão da preta. Sentiu tesão na cozinheira, mas não podia come-la por livre e espontânea vontade. Sua mulher deveria desaparecer.

Seu desejo ganhou fortes esperanças, quando no século XXI as mulheres viraram anoréxicas e morriam de fome. Ele, acorrentado, passou a sonhar que sua mulher definhava enquanto a negra o alimentava na boca com ovos, bacon, bolos e suco de laranja. E a cada ida e vinda de suas andanças pela cozinha, sua bunda enorme invadia seu sonho de ser feliz.

Ser feliz é: não ter mulher, filhos, ser alimentado, enquanto acorrentado, pela Preta, somente sentido prazer.

A mulher morreu de fome. A negra fez um curso de culinária, virou chefe de cozinha e agora só usa azeite. Ele prometeu estar acorrentado esperando um dia encontrar a felicidade, mas o mundo, apesar do tempo, não mudou em nada. A felicidade não existe. Ela é pura diversão. E preso não se diverte…

ESBOÇO DE SAUDADE


A casa era preenchida de coisas. A vida tinha muitas sensações. Quase todas pareciam não ter sentido, pois não foram explicadas na época devida. Mas tinham.

A sala tinha inúmeras prateleiras, coloridas por livros e objetos que certamente fizeram parte daquela vida. Eu só olhava para tantas cores de vida.

Em que momento ele sentiu vontade de pintar sua vida de preto e branco? Por que não foi capaz de entender tal nuance? O mundo, tragicamente, determinou que ser bicolor não tinha graça ou alegria. E logo ele, o mais alegre de todos... Teria feito um mundo novo, sabiam? Colorido de preto e branco, fazendo novas cores a partir destas duas. Cores jamais vistas.

Tento redesenhar sua casa. Uso um lápis fino para não interferir nos seus sentimentos. Mas quanto mais fino, mais profundo, que fere dentro do peito e sangra. 

O sangue como cor. Desta vez, sem alegria. Uma cor com tristeza, como um esboço de saudade.


Purpurina_SP

Este ano consegui viajar no Carnaval.  Mesmo sendo a           trabalho, felizmente, minha missão não foi no Nordeste, e sim em São Paulo, cidade onde parece que a purpurina nunca foi inventada.

Decidi viajar na terça-feira de Carnaval com medo do aeroporto estar lotado na quarta-feira de cinzas. Marquei um vôo cedo para meus hábitos, mas tudo bem, desde que eu saísse do Rio de Janeiro e de toda confusão que envolve a cidade nesta época do ano.

Marquei um taxi no dia anterior para não correr o risco de não conseguir um pela manhã. O taxista chegou pontualmente. Consegui um motorista mudo, o que me ajudou muito naquela hora da manhã. Não gosto de falar logo que acordo. Muito menos com quem não conheço. Eu estava sonada, mas percebi que o banco estava repleto de purpurina. Fiquei preocupada. “Não posso infectar São Paulo com este vírus. Eles não sabem que isto existe!”

Chegamos rápido ao aeroporto. Eu me achava muito esperta, imaginando que o aeroporto estaria vazio, mas eis que a porta se abre e uma multidão surge a minha frente. Várias línguas e sotaques. Seres torrados pelo sol carioca. Gringos com havaianas retornando para casa com ar de quem vai gastar onda no inverno falido da Europa como se tivesse virado brasileiro. Famílias com malas enormes e coloridas. Crianças descabeladas e remelentas. Mulheres com saltos, blusas de paetês e a maldita purpurina brilhando contra mim! Eu precisava fugir.

Fiz rapidamente meu check in e sai para fumar um cigarro tentando encontrar um lugar distante onde eu não tivesse contato com tanta felicidade e alegria. Isolada consegui paz. Mas o sol estava radiante e o céu azul e lembrei que não fui a praia. Que poderia ter ido. Que poderia estar como aquelas pessoas, mas não fui.

Decidi não me deprimir diante da felicidade do senso comum. “Eu simplesmente não gosto, ok?” E com este mantra dirigi-me ao embarque.  Ultrapassei a barreira do arco-íris do verão carioca e caminhei rumo ao último portão do corredor, o R4.

De repente, um silêncio. Olhei ao longe e as mesmas pessoas estranhas falavam e gesticulavam muito. Mas ali onde eu estava tudo era diferente. Ou não! Ali onde eu estava pessoas comuns estavam a minha frente. Calça comprida. Casacos. Homens com laptops. Mulheres com celulares falando baixo. Rostos tensos. Rugas. Sim!  Olhei para a placa e eu estava no R4!

“Embarque do vôo Gol 1931  Rio de Janeiro/São Paulo -  Aeroporto de Congonhas” - dizia a voz calma e costumeira no alto falante do aeroporto. Voltei a respirar. Encontrei meu mundo, meu gueto. Eu poderia morar ali, naquela fila de embarque. Hipnotizada, fui empurrada para dentro do avião, que logo decolou e me levou para bem longe deste lugar onde EU NÃO EXISTO. O Carnaval do Rio de Janeiro.  

Resolvi pegar meu livro que estava guardado na bolsa dentro do bagageiro. Vi uma luz brilhante. Estranho… Era ela, a purpurina, infiltrada na mala do passageiro que viajava ao meu lado. Ele falava espanhol. Certamente, um erro da companhia que invadiu meu avião. Tentei retirar o pontinho achando que estávamos falando de apenas um foco, mas não, a purpurina tinha se alastrado e estava viajando comigo, no mesmo vôo, rumo a São Paulo. 

sentidos


Então eu terminei o inbox do Facebook dizendo que tinha novidades para contar. Achei melhor assim. Hoje em dia, como não escrevemos mais cartas vale mais criar uma expectativa sobre qualquer coisa, pois o que eu ia responder a pergunta feita do “amigo” sobre como eu estou? “Estou bem, trabalhando muito...” É sempre essa a resposta.  Eu poderia completar com um “pago minhas contas, os impostos e falo sozinha”! Mas preferi não completar, pois, os primeiros, são conseqüência do fato de eu ainda ter que trabalhar aos quase 40 anos e que falar sozinha não é socialmente aceitável.
Apesar que todo mundo fala sozinho! Mas se o sujeito fala sozinho, está ali acreditando que ninguém percebe. Confesso que quando vejo alguém falando sozinho na rua, me encanto. Tenho vontade de seguir e entender para onde vai aquela conversa solitária. Infelizmente, com o advento dos fones de celulares, volta e meia me pego seguindo alguém que parece que está falando sozinho, mas está falando no cel via fone.

Mas falar no celular também não é falar sozinho? Já pararam para pensar, ou ouvir qualquer conversa das pessoas no celular? Estou certa que a pessoa do outro lado da linha está fazendo qualquer outra coisa, menos ouvir o que está sendo dito pelo seu interlocutor. Afinal, quem ouve quem hoje em dia?

Tenho a impressão que se parar na praça que liga a Rua México com a Rio Branco, na altura da Cinelândia, e falar sozinha com os mendigos que ali dormem, estes sim irão me ouvir.  Não por nada. Carência talvez. Sou alguém que parou para olhar para eles.  Pois quem olha para eles?

De uma forma geral, quem olha e vê? Alguém te vê? Quem é você afinal? Acho que nem você sabe.

Então, nem posso te contar... São tantas novidades... Trabalho, pago contas, impostos e falo sozinha. Acredito que ninguém me vê falando sozinha. Falo sozinha porque não tenho ninguém para me ouvir.

Seria bom freqüentar a praça e resolver meus problemas de solidão, pena que o cheiro é ruim. Não dos moradores de rua, mas da praça. É impossível parar por lá sem ser defumada ou pelo lixo do fim do dia do Centro do Rio ou pelo churrasquinho que ferve a cada esquina.

Se me resta alguma coisa dos sentidos dos Deuses, posso falar do toque ou do paladar....

Sobre este último, já adianto, almoço e janto sozinha. Nem saboreio a comida, pois tenho que trabalhar muito, para pagar todas as contas, impostos para poder falar sozinha sem ninguém me pedir explicações.

Quanto ao toque. Enfim... após o advento do celular ou mesmo da tecnologia, muitas palavras mudaram de sentido. Toque por exemplo, hoje em dia significa: o toque do seu aparelho de celular – que dependendo do seu grau de solidão, nunca vai tocar, ou o toque do teclado do computador – forma moderna das pessoas se comunicarem para perguntar um breve “como você vai?” e você responder com um evasivo “estou bem, trabalhando muito... tenho novidades...”

check up

Há três anos não fazia check up. Hoje fui ao médico entregar meus exames. Expliquei o quanto estava preocupada com algumas taxas... “Deixa que o médico aqui sou eu!”
 
Sem querer contradizer o Doutor, tentei completar: “É que a tireóide me pareceu...”
 
_Eu fico te questionando como você produz seus filmes? Então, deixa que deste assunto cuido eu!
 
Ele é seco, mas muito culto e inteligente. Passa segurança. Deve ter uns 65 anos, com cara de 65 anos. Muito bem cuidado. Sabe gente do tipo que a gente não vê mais? Gente que está jovem, porque se cuidou e não porque fez plástica? Ele é assim. Têm mãos fortes, marcas no rosto que remetem uma certeza sobre a vida que não consigo alcançar. Talvez por ser médico. Os médicos são seres superiores.
 
O Doutor me explicou minuciosamente o exame. E lá estava: tenho um leve problema na tireóide! “Inicial.”- frisou.
 
Diante da minha visível tensão, ele me explicou o problema desenhando no verso do exame o que era o T3, T4, e todas as funções orgânicas que ininterruptamente envolvem este sistema. Resolvi, ingenuamente, dizer que já tinha me adiantado e dei um Google para pesquisar o assunto. Foi o fim! O Doutor ficou louco. Disse que era inaceitável usar a internet para saber sobre qualquer problema de saúde.
 
Tentei reverter a situação explicando que só queria saber se precisava comer brócolis! Não adiantou.
 
Como já fui atriz, usei deste artifício baixo e deixei cair algumas lágrimas enquanto confessava que era hipocondríaca e que estava com muito medo de morrer. “Tenho casos de câncer na família, Doutor...”
 
Ele ficou em silêncio me olhando e, finalmente, se sensibilizou. Segurou minha mão. Garantiu-me que eu não ia morrer. Empolgada com o momento acolhedor, comecei a filosofar falando que um dia todos nós iríamos morrer. “Sei que vou morrer. Só não gostaria que fosse agora...”
 
Passado o drama ele perguntou se todas as minhas dúvidas quanto a vida e a morte estavam resolvidas.
 
“Sim, Doutor. Com relação ao check up, tudo certo. Mas como detectamos que nunca tive hepatite B, será que não seria o caso de eu tomar a vacina?”
 
“Não acho necessário. Afinal, você não tem mais 20 anos. É uma mulher madura que não se relaciona com qualquer pessoa que conhece por aí. Que não tem relações promíscuas. Que se cuida...” Olhei para ele tentando esconder o riso. Preferi não revelar minha real personalidade. Afinal, esta era nossa segunda consulta, ele já estava chocado de eu ser hipocondríaca crônica, já tinha comprado a história do meu medo perante a morte, acho que saber que sou galinha destruiria nossa relação. E isso, eu não poderia perder. Afinal, ele é do Bradesco!
 
Tocava uma música clássica no consultório. Sempre me acalmo com música clássica. Me lembra o consultório do meu pediatra. Volto na infância. Eu sentia medo? Pensava na morte? Em que momento da vida passei a me preocupar com isso? De repente ouço um “Algo mais?” Eu não queria sair dali. Mesmo sabendo que não vou morrer agora, estar perto de um médico, me gera segurança. Resolvi me lembrar de mais algum problema...
 
Mostrei meu dedo mindinho. “Veja. Está inchado.” Ele permaneceu calado. “Sinto dores constantes. Deve ser artrose, Doutor. Sei que está cedo, mas nunca se sabe...” Ele apertou meu dedo, articulações, músculos e disse que estava tudo bem. “Tem certeza? Será que não devo falar com um ortopedista...” Não obtive resposta.
 
Ele olhou para o relógio. Já estávamos lá há quarenta minutos. Tempo longo para um medico do Bradesco.
 
O Doutor abriu a porta do consultório despedindo-se. Sorriu desta vez. Na porta lembrei de mais um problema, mas ele não me deu espaço.
 
Caminhei pelo Centro angustiada por não ter conversado com ele sobre minha suspeita de ter entrado na menopausa. Precoce, eu sei. Já olhei no Google e poucas mulheres entram na menopausa aos 38 anos, mas como ainda não tenho filhos e tão pouco um marido, preciso saber de todos os detalhes para me preparar psicologicamente e saber se darei o golpe da barriga amanhã ou serei uma velha sem família.
 
Quanto mais andava, mais pensava. Minha visão estava turva, meu coração batia rápido, até que lembrei que tenho uma consulta marcada com meu ginecologista na semana que vem!