É um jogo estranho a arte. A verdade é que a arte é um luxo hoje. Eu poderia continuar vivendo sem nunca ler um livro ou olhar um quadro. Temos uma quantidade de outras coisas, não precisamos de livros e quadros.
A arte nos faz inquietos, insatisfeitos. Mas nosso sistema industrial não pode permitir que isso aconteça, então nos oferece pequenos substitutos, calmantes, para fazer-nos esquecer que somos seres humanos. Cedo teremos que pagar as pessoas para que visitem a um museu ou assistam a uma peça.
Mas o homem não nasceu para ser máquina !
E como fica a arte ?
A gente tem que enganar para sobreviver; tem que fingir que as coisas fazem sentidos; tem que levar as pessoas a acreditarem que sabemos o que estamos fazendo. Mas ninguém sabe o que está fazendo ! Não nos acordamos pela manhã e pensamos no que vamos fazer. Não senhor ! Levantamos numa neblina e nos arrastamos através de um túnel sob o peso de uma ressaca. Jogamos o jogo. Sabemos que é uma farsa nojenta e suja, mas não há nada a fazer: não temos escolha. Nascemos num determinado meio e estamos condicionados a ele. Podemos escapar um pouco aqui e ali, como faríamos numa canoa furada, mas não há saída completa, não há tempo para ela, a gente precisa alcançar o porto, ou imagina que precisa.
_ A canoa afundará antes disso ! – diz tal sujeito – Foda-se, seu Zé, você não vai conseguir nada comigo ! Não vai me obrigar a passar fome para provar que sou artista !
O que quer dizer ser artista ?
Um artista é um instrumento que registra algo já existente, algo que pertence ao mundo inteiro e que, se ele é um artista, se sentirá obrigado a devolver ao mundo. E isto é necessário.
Quanto a recompensa, a gente sempre confunde reconhecimento com recompensa. São duas coisas diferentes. Ainda que não sejamos pagos por nosso trabalho, pelo menos temos as satisfação de faze-lo. É pena que coloquemos tanta ênfase no pagamento de nossos labores: na verdade, a paga não é necessária e ninguém sabe melhor disso que o artista. O motivo por que enfrenta tanta miséria é que escolheu trabalhar de graça. Esquece, como você diz, que tem de viver. Mas isso na verdade é uma benção. É muito melhor preocupar-se com idéias maravilhosas do que com a refeição do dia seguinte, o aluguel, ou a aquisição de um novo par de sapatos. Claro, quando se chega ao ponto em que é preciso comer, e não há o que comer, então a idéia da comida se torna uma obsessão. Mas a diferença entre o artista e o indivíduo comum é que, quando o artista consegue uma refeição, ele imediatamente se volta para dentro de seu ilimitado mundo, e quando está neste mundo é um rei, enquanto nosso pateta comum não passa de uma bomba de gasolina, com apenas poeira e fumaça em volta. Mesmo supondo que o sujeito não seja um indivíduo comum, mas possua uma riqueza interior, capaz de patrocinar o seu bom gosto, seus caprichos e apetites: vocês acham que um milionário saboreia a comida, o vinho e as mulheres assim como um artista faminto o faz ?
Para saborear qualquer coisa a pessoa deve preparar-se para recebe-la; isso implica um certo controle, disciplina e , diria também, castidade. Acima de tudo implica desejo.
Falo agora como se fosse um artista, pois na verdade não o sou, mas admiro muito o sujeito que tem a coragem de ser artista. Admiro-o por que sei que ele é infinitamente mais rico do que qualquer outro tipo de ser humano. É mais rico porque se gasta, porque se dá o tempo todo, e o que dá não é apenas trabalho, dinheiro ou presentes. O artista dá o ingrediente da beleza, que é o amor, o amor da própria vida, o amor de viver pelo amor de viver.
que texto lindo..isso eu chamo de alma. bjs
ResponderExcluirObrigada, Michelle.
ResponderExcluirAdaptei este texto na época que fazia teatro. Apresentei várias vezes. Realmente, ele fala tudo.
Sou fã número 1 do Henry Miller.
Beijos.
A única coisa que não concordo nisso tudo é que tu é a fã número 1 do Henry Miller.
ResponderExcluirA única coisa que não concordo nisso tudo é que tu é a fã número 1 do Henry Miller.
ResponderExcluirBom texto!
ResponderExcluirhttp://sopadecoisa.blogspot.com.br/2012/05/henry-miller-sexus-plexus-e-nexus.html
Obrigada!
Excluir