ARTE - Adaptação de trecho do livro SEXUS - Henry Miller


É um jogo estranho a arte.  A verdade é que a arte é um luxo hoje.  Eu poderia continuar vivendo sem nunca ler um livro ou olhar um quadro.  Temos uma quantidade de outras coisas, não precisamos de livros e quadros. 
A arte nos faz inquietos, insatisfeitos.  Mas nosso sistema industrial não pode permitir que isso aconteça, então nos oferece pequenos substitutos, calmantes, para fazer-nos esquecer que somos seres humanos.  Cedo teremos que pagar as pessoas para que visitem a um museu ou assistam a uma peça.  
Mas o homem não nasceu para ser máquina !
E como fica a arte ?
A gente tem que enganar para sobreviver; tem que fingir que as coisas fazem sentidos; tem que levar as pessoas a acreditarem que sabemos o que estamos fazendo.  Mas ninguém sabe o que está fazendo !  Não nos acordamos pela manhã e pensamos no que vamos fazer.  Não senhor !  Levantamos numa neblina e nos arrastamos através de um túnel sob o peso de uma ressaca.  Jogamos  o jogo.  Sabemos que é uma farsa nojenta e suja, mas não há nada a fazer: não temos escolha.  Nascemos num determinado meio e estamos condicionados a ele.  Podemos escapar um pouco aqui e ali, como faríamos numa canoa furada, mas não há saída completa, não há tempo para ela, a gente precisa alcançar o porto, ou imagina que precisa. 
_ A canoa afundará antes disso ! – diz tal sujeito – Foda-se,  seu Zé, você não vai conseguir nada comigo !  Não vai me obrigar a passar fome para provar que sou artista !
O que quer dizer ser artista ?
Um artista é um instrumento que registra algo já existente, algo que pertence ao mundo inteiro e que, se ele é um artista,  se sentirá obrigado a devolver ao mundo.  E isto é necessário.
Quanto a recompensa,  a gente sempre confunde reconhecimento com recompensa.  São duas coisas diferentes.  Ainda que não sejamos pagos por nosso trabalho, pelo menos temos as satisfação de faze-lo.  É pena que coloquemos tanta ênfase no pagamento de nossos labores: na verdade, a paga não é necessária e ninguém sabe melhor disso que  o artista.  O motivo por que enfrenta tanta miséria é que escolheu trabalhar de graça.  Esquece, como você diz,  que tem de viver.  Mas isso na verdade é uma benção.  É muito melhor preocupar-se com idéias maravilhosas do que com a refeição do dia seguinte, o aluguel, ou a aquisição de um novo par de sapatos.  Claro, quando se chega ao ponto em que é preciso comer, e não há o que comer, então a idéia da comida se torna uma obsessão.  Mas a diferença entre o artista e o indivíduo comum é que, quando o artista consegue uma refeição, ele imediatamente se volta para dentro de seu ilimitado mundo, e quando está neste mundo é um rei, enquanto nosso pateta comum não passa de uma bomba de gasolina,  com apenas poeira e fumaça em volta.  Mesmo supondo que  o sujeito não seja um indivíduo comum,  mas possua uma riqueza interior,  capaz de patrocinar o seu bom gosto, seus caprichos e apetites:  vocês acham que um milionário saboreia a comida, o vinho e as mulheres assim como um artista faminto o faz ? 
Para saborear qualquer coisa a pessoa deve preparar-se para recebe-la; isso implica um certo controle, disciplina e , diria também, castidade.  Acima de tudo implica desejo.
Falo agora como se fosse um artista,  pois na verdade não  o sou, mas admiro muito  o sujeito que tem a coragem de ser artista.  Admiro-o por que sei que ele é infinitamente mais rico do que qualquer outro tipo de ser humano.   É mais rico porque se gasta, porque se dá o tempo todo, e o que dá não é apenas trabalho, dinheiro ou presentes.  O artista dá o ingrediente da beleza, que é o amor, o amor da própria vida, o amor de viver pelo amor de viver.   

6 comentários:

  1. que texto lindo..isso eu chamo de alma. bjs

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  2. Obrigada, Michelle.
    Adaptei este texto na época que fazia teatro. Apresentei várias vezes. Realmente, ele fala tudo.
    Sou fã número 1 do Henry Miller.
    Beijos.

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  3. A única coisa que não concordo nisso tudo é que tu é a fã número 1 do Henry Miller.

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  4. A única coisa que não concordo nisso tudo é que tu é a fã número 1 do Henry Miller.

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  5. Bom texto!

    http://sopadecoisa.blogspot.com.br/2012/05/henry-miller-sexus-plexus-e-nexus.html

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